Ansiedade Noturna: Estratégias para identificar, entender e controlar seus efeitos no sono

Ansiedade Noturna: Estratégias para identificar, entender e controlar seus efeitos no sono 



Imagine a cena: o relógio marca 23h47. O silêncio preenche a casa, as luzes estão apagadas e parece que chegou o momento de descansar. No entanto, ao deitar, a mente começa a acelerar como se tivesse sido ativada por um botão invisível. Uma sequência de "e se?" toma conta: e se eu esquecer a apresentação? E se meu filho adoecer de novo? E se eu não estiver fazendo o suficiente por mim mesma?

Esse turbilhão noturno de pensamentos tem nome: ansiedade noturna. Embora não seja um diagnóstico formal, ela descreve um quadro bem conhecido na prática clínica, principalmente entre mulheres que desempenham múltiplos papéis em suas vidas—como profissional, mãe, parceira e cuidadora. No final do dia, o cérebro, já exausto, não consegue "desligar".

Essa dificuldade para relaxar à noite é alimentada por diversos fatores. Quando a jornada do dia termina, a área do cérebro responsável por organizar os pensamentos, o córtex pré-frontal, começa a processar assuntos pendentes. Nesse momento, a Default Mode Network (DMN) se ativa, refletindo sobre o passado e projetando o futuro. As oscilações hormonais femininas, o estresse acumulado durante o dia e a pressão cultural por perfeição tornam esse processo ainda mais desafiador, levando a mente a um estado de alerta justo quando mais precisamos descansar.

Neste artigo, vamos explorar as causas da ansiedade noturna e as estratégias baseadas em evidências para ajudá-la a restaurar a paz interior durante a noite.


O que é Ansiedade Noturna?

A ansiedade noturna é um conjunto de sintomas, como mente acelerada, dificuldades para “desligar” os pensamentos e sinais físicos como respiração superficial e suor frio. Embora não seja reconhecida como um diagnóstico autônomo, ela pode estar associada a transtornos como o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) ou o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), mas também pode surgir isoladamente, em resposta a fatores biológicos, psicológicos e ambientais.

Biologicamente, a regulação do sono é um processo dependente de hormônios, como o cortisol, que se mantém elevado durante o dia para nos manter alertas. No entanto, em situações de estresse crônico, o cortisol não diminui à noite, prejudicando a transição para o descanso. As flutuações hormonais femininas, como no período pré-menstrual, pós-parto ou na perimenopausa, também afetam neurotransmissores que regulam o sono e o humor, como a serotonina e o GABA.

Do ponto de vista psicológico, a noite oferece uma janela para o processamento emocional. Durante o dia, estamos distraídos com tarefas externas; à noite, no silêncio, nossa mente revisita o que não foi resolvido, amplificando pensamentos ansiosos. A ausência de estímulos também facilita a ruminação, com o cérebro refletindo sobre o passado ou imaginando o futuro de forma catastrófica.

Fatores ambientais, como o uso de telas antes de dormir, o consumo de cafeína ou álcool e a sobrecarga de papéis sociais, intensificam ainda mais a dificuldade de desligar à noite. Quando essas demandas se acumulam ao final do dia, o cérebro recebe sinais contraditórios, mantendo o corpo em um estado de semi-alerta.


Por que pensamos mais à Noite?

Quando a noite chega, o ambiente se torna silencioso, permitindo à mente desviar seu foco do mundo externo para o interno. Esse fenômeno está relacionado à ativação da Default Mode Network (DMN), um circuito cerebral que conecta várias regiões responsáveis por funções cognitivas como a lembrança de memórias autobiográficas, a integração emocional e a projeção de cenários futuros.

No entanto, essa mesma rede que nos permite refletir sobre o passado e planejar o futuro também pode favorecer a ruminação ansiosa. Quando as emoções do dia não foram processadas, elas ficam armazenadas em áreas do cérebro como a amígdala, e à noite, a DMN tenta resolver essas "pendências". Se essas emoções são intensas, o resultado pode ser uma avalanche de pensamentos negativos ou cenários catastróficos.

Além disso, a consolidação da memória emocional ocorre principalmente no sono REM. Quando a ansiedade impede o acesso a essa fase, o cérebro acumula pendências emocionais que não são "atualizadas", gerando um ciclo de pensamentos acelerados na noite seguinte.




Efeitos da ansiedade noturna

A ansiedade noturna não afeta apenas o sono, mas compromete diversos aspectos da saúde mental e física.

  • Qualidade do sono: A ansiedade impede que o cérebro passe adequadamente pelas fases profundas do sono, como o sono REM e a fase N3. Como resultado, o sono não é reparador, o que gera cansaço e fadiga, mesmo após longas horas de descanso.
  • Função Executiva: A falta de um sono reparador prejudica funções cognitivas essenciais, como a concentração, a tomada de decisões e a regulação emocional. O dia seguinte tende a ser marcado por lapsos de memória, dificuldade de concentração e aumento da irritabilidade.
  • Saúde Física: O estresse crônico causado pela ansiedade noturna tem impactos significativos no corpo, aumentando os níveis de cortisol e favorecendo a inflamação sistêmica. Isso pode contribuir para doenças cardíacas, hipertensão e desequilíbrios no sistema imunológico, além de aumentar a vulnerabilidade a infecções.


Estratégias práticas para alívio

Felizmente, há várias abordagens que podem ajudar a reduzir os efeitos da ansiedade noturna e promover um sono reparador. O importante é adotar hábitos que considerem tanto os fatores biológicos quanto psicológicos.

  1. Higiene do Sono: Ajuste sua rotina nas horas antes de dormir: cerca de 30 minutos antes de deitar, diminua a intensidade da luz e adote atividades relaxantes, como um banho morno ou cuidados com a pele. Isso ajuda a reduzir os níveis de cortisol. A técnica de respiração 4-7-8 também é eficaz: inspire por 4 segundos, segure por 7 segundos e expire por 8 segundos para ativar o nervo vago e promover relaxamento.
  2. Diário de Preocupações: Escrever pode ajudar a organizar os pensamentos antes de dormir. Divida suas preocupações em três categorias: 1) a preocupação; 2) o pior cenário possível; 3) uma ação prática que você pode tomar. Finalize com uma oração ou afirmação positiva.
  3. Limites Digitais: Evite o uso de telas por pelo menos uma hora antes de dormir, pois a luz azul inibe a produção de melatonina, dificultando o sono. Caso precise usar o celular, ative o filtro de luz azul.
  4. Suporte Psicoterapêutico: A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é altamente eficaz para reduzir a ruminação noturna. Estudo demonstram que a TCC pode reduzir em até 70% a intensidade desses pensamentos em apenas 8 semanas.
  5. Fitoterapia e Nutrição: Plantas como camomila, mulungu e passiflora têm propriedades calmantes, e alimentos ricos em magnésio e vitamina B6 ajudam na produção de GABA, neurotransmissor fundamental para o relaxamento.
  6. Espiritualidade e Mindfulness: Para muitas mulheres, a espiritualidade pode ser um recurso poderoso. Práticas de gratidão, como refletir sobre as bênçãos do dia ou recitar o Salmo 4:8, podem ser eficazes para acalmar a mente antes de dormir.



Se você está enfrentando insônia por mais de três noites por semana, ataques de pânico noturnos ou depende de substâncias como álcool ou benzodiazepínicos para dormir, é essencial procurar ajuda profissional. 

A ansiedade noturna é um sinal de que sua mente e corpo precisam de atenção. Embora estratégias de autocuidado possam ajudar, a orientação profissional pode ser necessária para restaurar o equilíbrio emocional. 

Lembre-se, você não está sozinha nesse processo. Pequenas mudanças podem gerar grandes melhorias para sua saúde mental e bem-estar.



Postar um comentário

0 Comentários